Há uns tempos lia uma entrevista do
Pacheco Pereira onde este afirmava que a democracia é algo
cultural, civilizacional e anti-natural. É verdade. Não há leis
físicas que ditem a democracia. Estou certo que no futuro vou
continuar a caminhar com a gravidade que me cola ao chão, mas não
conjecturo acerca de viver num sistema democrático. A democracia é
frágil, por ser tão tentador para uns tomar de assalto o poder de
gerir, em seu proveito, o que é direito todos. Resta-nos
portanto o alento de saber aquilo que aconteceu em Portugal, faz hoje
40 anos. Compreender que à semelhança da passarola do Bartolomeu de
Gusmão, a democracia se alimenta das vontades, como aquelas tantas
que se somaram nesse 1974. Mas não só. A democracia alimenta-se da
solidariedade, da equidade, da justiça. Da qualidade da informação,
da educação, da crítica, dos olhares atentos. Democracia,
socialismo e transparência, em três vértices resumidos. A falta de algum torna os outros frágeis, ou perigosos. Por
isso, o 25 de Abril foi tanto, e tanto falta fazer.
Às vezes, sinto curiosidade de ter
vivido essa primavera. Só me retraio desse pensamento com a
lembrança de que, para isso, teria de existir antes dela. Resta-me então
ficar agradecido a quem lutou para possibilitar a revolução dos
cravos: a cada militar ou militante, cada insubmisso, cada vinil do
Zeca clandestinamente ouvido, cada passagem da rádio Voz da Liberdade escutada,
cada livro ou folheto proibido. Enquanto português, tenho a certeza
que logo a seguir ao meu aniversário, 25 de Abril é a data que mais
molda e acarinha a minha vida.