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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sobre a mentira.


Não é pelo nome do blogue que este texto é sobre a mentira. Podia ser, mas não é. É por causa de um filme dinamarquês (sim, todo falado na língua que eles por lá falam), cujo nome em inglês é “The Hunt”.

O filme trata da vida de um homem (Mads Mikkelsen, mais conhecido por ser o Hannibal da série, é o actor principal) numa pacata terrinha algures na Dinamarca, e cuja vida se altera radicalmente por causa de uma mentira. Mais concretamente, por causa de uma mentira de uma criança, em que todos acreditam porque, e cito o filme, “as crianças não mentem”.

Este é o primeiro ponto que me faz escrever sobre isto. Na minha cabeça, as crianças são pequenos seres mentirosos, que mentem sobre quem comeu as bolachas ou riscou as paredes ou partiu o vaso. Mas pensando melhor, talvez o filme tenha razão. As crianças não têm tantas motivações para mentir como um adulto, por não serem tão capazes de perceber as possíveis consequências nefastas de uma verdade. Também não terão capacidade para o fazer. Capacidade ao nível intelectual, de criar uma situação hipotética, ou capacidade ao nível físico, pois uma mentira tem implicações ao nível do sistema nervoso. As crianças não mentem? Provavelmente sim, mas de uma maneira mais simples, menos requintada, menos ponderada, e mais fugaz (à primeira ameaça de castigo, as bolachas já não se comeram sozinhas). O filme pareceu-me forçado nesta assunção, mas talvez tenha razão.

O segundo ponto é o de que uma mentira por vezes pode ter mais peso que a verdade, como o filme parece querer demonstrar. Outra vez, não me parece assim tão linear. Na minha cabeça, uma mentira e uma verdade têm a mesma força, sendo essa, no fundo, a força da informação transmitida e da credibilidade da pessoa que a transmitiu. Por isso é que em certos temas é mais fácil acreditar numa só coisa, seja ela verdade ou mentira. O filme revolta-nos, provavelmente, apenas por sabermos a verdade, porque se estivéssemos lá naturalmente que não seria tão linear.


Quanto ao filme, em si, deve andar pelos Oscars para melhor filme estrangeiro (pedir a nomeação para melhor actor é puxado, mas não desmerecido: para quem viu Hannibal, ele aqui tem emoções, um monte delas). Um filme sem um clímax, sem grandes momentos de antecipação, sem artifícios nem manhas para fazer o espectador soltar umas lágrimas. Mas isso não quer dizer que não atinja o objectivo: é possível que a revolta acumulada dentro de nós nos transborde pelos olhos, em cenas tão banais como uma ida ao supermercado. Mas é um choro de que nem damos conta, um choro silencioso e imperceptível de revolta interior.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ser ou não ser uma bailarina, eis a questão.


Antes de mais, e eu sei que não ganhei nenhum Oscar, queria agradecer ao Felipe, um velho amigo de quem a vida me foi afastando e que me convidou para vir para aqui, para perto dele, escrever. Depois, ao Felipe e ao Fernando, em conjunto, por escreverem como escrevem. Sempre li A Mentira, fui comentando alguns posts a espaços, e pouco mais. Agora, vou começar a minha participação por aqui falando-vos de um filme. Frances Ha, um filme recente, a preto e branco, é o escolhido.

O filme gira à volta de uma jovem, Frances, que quer ser bailarina em Nova Iorque. Vive com uma amiga, como se fossem "um casal de lésbicas, mas sem sexo", sendo elas "a mesma pessoa, com cabelos diferentes". Frances tem vinte e sete anos, mas "parece mais velha, mas menos madura, é estranho". Tem um problema (ou vários, mas comecemos por aqui): não sabe realmente dançar. E passa a ter outro quando a melhor amiga sai de casa, e ela fica sem talento e sem tecto. Vai viver com dois jovens artistas judeus, portanto ricos e de boas famílias (só os judeus ricos podem ter a ambição de ser artistas judeus), que partilham do seu humor depressivo. Também daí tem de sair, quando o sonho de ser bailarina profissional começa a ruir.

Frances é uma pessoa boa, mas a quem o mundo não parece interessado em recompensar, tirando-lhe as coisas de que gosta do caminho. Não é pródiga em amigos (e os que tem não são os melhores do mundo), é "undatable" e "alta demais para casar". É esquisita e desengonçada e tem tudo menos a subtileza de uma bailarina. É caótica e desarrumada, no quarto como nas ideias. Come de boca aberta, corre de maneira estranha, e consegue ser adorável a fazê-lo. Anda perdida durante o filme todo, perdida entre amizades e trabalhos. Perdida no presente, perdida sobre o que quer no futuro. Perdida como milhares de jovens em Portugal, que quando terminam a sua infância, ou a sua juventude, se preferirem, se perdem num infinito de possibilidades daquilo que a vida pode ser. Quando a opção sobre o rumo da vida lhes cai nas mãos, a maioria não sabe o que quer. Uns querem ser bailarinas e têm tanto jeito e sucesso como a Frances. Outros querem ser bailarinas e não têm a coragem da Frances, e acabam como advogados ou economistas, geralmente com um sucesso muito moderado. Outros, poucos, querem ser bailarinas e tornam-se bailarinas. Para estes o mundo é bom, mas geralmente é só para estes.

É impossível não nos lembrarmos de Woody Allen ao ver o filme, e isto é um elogio. No fundo, é um grande filme, de um grande realizador e protagonizado por uma grande actriz, sobre as dificuldades de uma jovem em ajustar aquilo que ela quer àquilo que o mundo lhe pode dar. Um filme sobre as pessoas de carne e osso e sobre um período crítico (umas vezes de sonho, outras vezes brutal) na vida de uma pessoa. Sobre o período em que alguém se torna, realmente, uma pessoa a sério, sem ajudas de pais nem mães (ou pelo menos é assim que seria suposto ser). Sobre o momento em que se abrem as portas gaiola, e se pode voar para onde quiser, ou ficar no mesmo sítio. Se gostam de filmes sem efeitos especiais ou tiros e mortes, deliciem-se com este filme. Caso contrário, não vale a pena perderem o pouquíssimo tempo que o filme dura (menos de uma hora e meia de um filme em que não há uma única cena a mais) e vejam o Thor, que não parece mau.



Nota: Eu, como a Frances, sou um espírito um bocado perdido entre sonhos e a realidade. Não vos obrigo, mas se quiserem podem ler-me também aqui e aqui, em registos bem diferentes.