As 'Grândolas' da actualidade obrigam a pensar a relação da música e do poder. Não é novidade que a música é comummente usada como arma de razão e emoção no ataque aos problemas da sociedade. Música de intervenção, assim é o nome para a música feita com o propósito de alertar e galvanizar o público para causas sociais, políticas, causas que questionam as estruturas de poder vigentes. E nesta vulgarização da palavra 'música de intervenção', quase nos esquecemos desse papel tão diferente que a música adquire: o da razão e o da emoção. Nesta diferença, talvez sejamos obrigados a distinguir entre letra e melodia. E aí surgem questões: será a música de intervenção apenas sinónimo de letra de intervenção? Apenas equivalente a melodia de intervenção? Como se divide o protagonismo entre razão e emoção, numa música como a 'Grândola Vila Morena'? Nem letra, nem melodia têm significado, apenas a lembrança do momento histórico da sua criação ou uso?
Não respondendo a isso, vou falar da história do trítono, esse barulho tão interessante na análise da convergência entre música, emoção e poder. O trítono é um intervalo entre duas notas musicais. Concretamente, são três tons, entre o Fá e o Sí por exemplo. O que este intervalo tem de interessante é a forma como impele ao movimento. Como cria uma espécie de nervosismo latente. Escutem, por exemplo, uma sirene de ambulância. Provavelmente o som que ouvem é um trítono. Este intervalo cria um claro estado emotivo em quem ouve, totalmente antagónico a um estado calmo. E por aqui estaríamos falados no que toca a música e emoção. A parte do poder vem com a sua história. A Igreja Católica considerou, em tempos, qualquer música que usasse este intervalo como sendo impura. Foi considerado o intervalo do diabo. Foi banido. Assim, qualquer tentativa de incorporar um trítono numa música era um exercício de contra-poder, de desafio das normas. Opiniões dizem que este som apele a uma inquietação pouco divina. Outros dizem que tem um cariz excitante, sexual. Outros afirmam que é apenas um som que não está resolvido, que implora por uma nota que dê a machada final. Eu cá acho um bonito exemplo de como não compreendemos os estados emocionais que a música nos causa. E de como uma música não precisa necessariamente de letra para desafiar o poder.
Ouçam,
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