sábado, 30 de novembro de 2013

Da natureza humana (I)

Existem essencialmente três formas de entretenimento numa ponte aérea: reparar nas pessoas, ler a revista de cortesia da companhia ou assistir televisão. A primeira, pelo prazer que proporciona, merece uma análise separada. A segunda costuma ser simpática porque vem cheia de fotografias bonitas, mas não dura mais de 2 horas por mês. A última tende em ser menos interessante do que tentar dormir, mas hoje não foi.

O documentário falava sobre o problema da fome e do desperdício de alimentos no mundo. Embora este seja um tema que me parece relativamente conhecido (pelo menos no bom senso dos comuns) fiquei um pouco pensativo sobre a dimensão do assunto que era retratado de forma bastante emocional. Os números são grandes. Eu lembro-me que são grandes, mas não me lembro dos números. Só de um: 7.6% da população brasileira passa fome ou tem problemas de subnutrição. A conta do martelo dá uns 15 milhões de pessoas. Eu disse que os números são grandes.

O documentário falava também de acções sociais que têm vindo a ser desenvolvidas em resposta a este problema. As comuns os comuns já sabem. Interessei-me pela forma como empresários de distribuição e retalho alimentar realizam doações de alimentos ‘sem valor comercial’ mas com ‘valor nutritivo’. Aquela banana pretinha ou a cenoura partida ao meio que não vão fazer mal. Parece lógico. E mais do que isso, parecia fazer diferença para as pessoas atrás da câmara. Metade da cenoura, apenas, parecia fazer diferença. Havia também uma escolinha sediada numa favela no Rio de Janeiro que ensinava as donas de casa da comunidade a cozinhar com as cascas (e outros ‘desperdícios’) de suas frutas e verduras. Primeiro ri-me, depois tocou o sino.

O negócio criou-se imediatamente. Chama-se ‘Skin’, e somos uma cadeira multinacional de restaurantes éticos gourmet. Nascemos em 2013 da iniciativa de nossos fundadores e associados em combater a fome e a subnutrição no mundo. De nosso trabalho voluntário junto às comunidades mais desfavorecidas em toda a América do Sul, aprendemos o segredo de cozinhar a partir de ingredientes tipicamente considerados como ‘desperdício’, que são o foco de nossa arte. E como sabem, as cascas de frutas e vegetais concentram a maior parte das vitaminas e nutrientes dos ditos, apelando assim a uma população cada vez mais preocupada com a qualidade da sua alimentação.

A aceitação do público tem sido espantosa. Começando com apenas 3 pequenas unidades na zona oeste da cidade, hoje estamos presentes em 14 países com mais de 150 restaurantes. O nosso modelo de negócio é baseado numa oferta tripartida que se complementa. Temos o ‘Skin du Mer’. Uma evolução do sushi tradicional: o nosso arroz é preparado com casca, importado do sudeste asiático e especialmente tratado para ficar com um toque crocante excepcional. Da Amazónia chegam  peixes exóticos que preparamos da forma incomum, servindo-nos essencialmente da cabeça do animal. Temaki de bochecha de Piranha, com o nosso registado Arroz de Laos temperado com raspas de limão e coberto com sementes de Pimentão amarelo é o preferido de nossos clientes.

A nossa proposta no ‘Skin du Terre’ é diferente. Trabalhamos com uma variedade de cafés orgânicos, cervejas artesanais e sides doces e salgados. Nossas potato skins são um fenómeno nos fins de tarde ensolarados de Lisboa, acompanhadas por nossa cerveja Checa não filtrada. O nosso brigadeiro de raspas de cenoura e casca de banana faz as delícias dos mais gulosos.

Por último, o ‘Skin Express’. A nossa marca para grandes superfícies comerciais que gradualmente tem ganho espaço na rotina das pessoas. Nossa tecnologia para a rápida confecção de quiches revolucionou o dicionário de fast-food. O cliente pode escolher de forma personalizada e única o recheio de sua quiche (cascas de maça, pêra ou outras frutas, raízes de salsa ou coentros, sementes de vegetais, aquelas folhas do caule da laranja que vêm agarradas, preparadas na chapa com torresmo de leitão, etc.), que será preparada em nosso forno vitesse em apenas 54 segundos. Uma opção rápida, diferente, saudável e saborosa.

É indiscutível que o planeta se rendeu à nossa Skin Cousine, fortemente pautada na visão humanitária de nossos fundadores. Hoje, o mundo inteiro só quer saber da casca da melancia. Dos olhos do robalo. Daqueles fiozinhos castanhos do coco seco. Das flores da batata. Tudo o resto ficou triste e obsoleto. Não existe nenhuma opção mais chic e ética do que a nossa.


Estamos com um enorme problema em descobrir o que fazer com a polpa de tantas frutas e vegetais. E claro, com o resto da Piranha.

1 comentário:

  1. Sashimi da bochecha dela não, mas já comi sopa de piranha. Era tipo uma canja de peixe, uma sopa aguada. Não era lá muito boa. Preferi o pirarucu no forno com arroz de banana, isso sim.

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