segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O frio faz a noite ficar mais negra.


Ontem vi um carro com pessoas em cima, sentadas numa posição que parecia tudo menos confortável. Era de noite e fazia frio, tanto quanto é possível fazer aqui. Não estavam sentadas no carro, directamente no metal, mas em cima de uma espécie de cadeiras invisíveis. As pessoas também não eram reais, ou deixaram de o ser quando cheguei mais perto, num qualquer efeito à Toy Story. Eram duas, ele e ela. Não deviam caber mais no carro, que era pequeno. Ao longe eram certamente pessoas, a olhar para cima e a ver o céu estrelado pelo frio. As pessoas fazem isso, às vezes, só que não o fazem em Lisboa. Ou no Inverno. O frio faz a noite ficar ainda mais negra, e as estrelas brilham mais fortes no escuro. Enquanto ia andando ao encontro deles, não por bisbilhotice mas visto que permaneciam quietos – eles e o carro – a meio do meu trajecto, fui imaginando que estavam a ver a beleza do céu e da vida e do mundo, a pensar em como somos pequenos e mais pequenos são os nossos problemas, a pensar na sorte que temos em estar vivos, sorte que não parece surgir noutros astros. Cheguei a conceber que ainda havia pessoas que queriam ver as coisas boas, que não se deixavam ofuscar por anúncios governamentais de prosperidade, pessoas que preferiam ver estrelas a ir fazer vigílias alcoólicas aos ministérios da pobreza e da tristeza. Cheguei a imaginar que ainda havia pessoas que namoravam àquela meia-luz do antigamente, que eles preferiam o ar frio ao sofá. Supus, na minha ingenuidade, que talvez fosse uma ocupação mais prazerosa do que alternar entre pessoas fechadas noutra casa e crianças a cantar, na televisão, ele, e ela a fazer chamadas tolas, gastando dinheiro para brincar a Deus. Imaginei muito, porque a minha cabeça corre mais do que as pernas entorpecidas e congeladas, mas eventualmente cheguei perto suficiente. O mundo, afinal, é o mesmo, e só há esperança para as pessoas de faz-de-conta, as únicas que olham o firmamento em Dezembro.

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