Tenho um pecado
que nunca confessei, e ainda acho que vou parar ao inferno por causa disso. Eu
era criança e devia ter uns seis ou sete anos, não me lembro bem. Era Outono e
eu estava a passear entre as árvores da nossa quinta lá em Vila Real. Nós tínhamos
muitas árvores de tudo quanto era fruta e havia muita fartura o ano inteiro. Ao
longe eu vi um garotinho pobrezinho assim da minha idade a roubar maçãs das
nossas árvores e aproximei-me. Quando ele se apercebeu que eu estava a ser
observado começou a preparar-se para fugir e eu disse ‘fica, não tem problema.
Leva quantas quiseres’. Ele hesitou, olhou-me nos olhos e só então continuou a
apanhar todas as que conseguia. Mas eram tantas as maçãs que ele queria carregar
que eu disse-lhe para dobrar a sua camisola e ajudei a improvisar uma sacola em
frente à sua barriga. Quando já não cabia nem mais uma fruta ele olhou-me nos
olhos, cansado, com as duas mãos fortemente agarradas no limite da sacola
improvisada, e sorriu. Não sei se ele ia agradecer-me, talvez fosse. Nesse
mesmo instante em que ele olhou para mim, preparado para partir, comecei a enche-lo
de bofetadas. Tantas mas tantas bofetadas. Até hoje eu não consigo perceber
porque bati tanto no pobre rapaz. Eu sabia que ele não ia largar as maçãs e por
isso ele não saía do lugar. Eu nunca tinha batido em ninguém. As minhas irmãs
batiam-me quando fazia alguma coisa errada. 'Deve ser bom bater nos outros', acho que foi
o que eu pensei na altura. Foi a única vez que bati em alguém. Não gostei.
Espero que não vá parar ao inferno por causa disso.
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