Era um pastor já velho, que vivia sozinho. Um dia, enquanto fazia o jantar e porque a miséria a isso obrigou, decidiu fazer uma sopa com tudo o que pôde encontrar pela floresta, raízes de árvore, carapaças de caracóis, pequenos insectos, ervas várias, terra tragável, cogumelos e o resto não se diz. Cozinhou tudo com delicadeza, e de tamanha fome que carregava, comeu tudo de uma vez. Sem querer, descobriu a fórmula mágica para voar. Começou a ficar leve e pela mais pequena agitação dos braços, elevava-se das tábuas da sua cozinha minúscula. Andou o resto da noite a sobrevoar aldeias a cidades, à vista de todos. Ás tantas, já nem sabia se tinha braços ou asas. Andou assim pelos céus dezenas de anos, com a ideia fixa de que, se dia houvesse em que aterrasse, os americanos rápido o trancariam num laboratório ou numa sala de tortura até revelar os ingredientes ou vomitar a sua sopa. E ele era não um rato para fazer testes, era um colibri para voar. Até que umas dezenas de anos depois, a barba tanto lhe cresceu que não conseguia ir mais alto sem que essa arrastasse pelos chãos. Vai uma criança, que brincava na praia, e pega-lhe pela barba. Contente foi ter com os pais, Arranjei um papagaio, disse. E assim, o velho viveu com a barba presa nas mãos daquela criança, sempre a gritar Não sou um papagaio, sou um colibri. Quando morreu, e porque algum dia tinha de morrer, continuou a voar, para sempre a gritar Não sou um cadáver, sou um colibri.
história parva: os colibris não têm barba
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