segunda-feira, 31 de março de 2014

A arte de dormir de lado.


Eu sou dos que durmo de lado, o que, a confiar em sites estranhos, faz de mim alguém que tem uma forma racional de ver a vida e que suspeita de tudo. Não durmo esticado, mas também não durmo em posição fetal: a verdade fica algures aí no meio, consoante o estado de espírito. Quem dorme virado para cima ou para baixo pode até nunca se ter apercebido, por ter a facilidade de cair na cama em posição, mas a verdade é que dormir de lado é uma arte.

A arte está em saber colocar o braço de baixo, uma arte que ainda não dominei, o que é chato, e que se torna ainda mais chato quando as pessoas são picuinhas para dormir, como é o caso. As hipóteses surgem imediatamente. Colocar o braço para a frente parece de caras a melhor opção, mas tem o inconveniente de parecer o grip de uma esquerda a duas mãos (veja-se a esquerda do Marat Safin, a título de exemplo). As mãos tendem a juntar-se numa reza forçada, mas não ficam centradas: ficam encostadas à cama e, como tal, em frente ao ombro que roça o colchão, e a comodidade é aparente. Pode ainda esse braço ficar à frente sem que o outro o acompanhe, como se estivesse a passar um táxi invisível que precisamos de apanhar (o polegar estendido é opcional, aqui). Podemos também optar pelo braço encostado à cama levantado, ficando a mão imediatamente colada à cara, numa posição que não só é incómoda como promete criar vincos que não saem no banho matinal, ou a segurar a almofada como se de uma boombox se tratasse (veja-se o LL Cool J adolescente, algures perdido nos anos 80 ou 90, não sei bem). Nesta versão amigável de abraço à almofada, o outro braço pode inclusivamente encontrar um bom apoio no cotovelo do levantado (como se congelados entre a passagem do passo 3 para o 4 na Macarena; no fundo, no segundo "alegria"). O braço por baixo do corpo nem me merece comentários. 

Mas pior ainda é quando a perna de cima começa a escorregar para a frente, levando a nossa anca de um ângulo de 90 graus para algo próximo dos 45. Nesses casos gravíssimos, o braço é empurrado pelo ombro para baixo do corpo, condenando-o a uma noite de desconforto e a uma manhã de dormência, só comparável à das pálpebras.

No fundo, como em qualquer arte, não há uma só solução. Há maneiras, todas elas correctas ou incorrectas nos seus méritos, de tentar chegar a algo: o sono. O sono é o belo nesta arte que é dormir de lado.

sábado, 29 de março de 2014

Hoje, em Olinda

Hoje, em Olinda, encontrei um maluco que escreveu na parede: 'há mar, amor?'

Achei uma pergunta extremamente relevante.

sexta-feira, 21 de março de 2014

a série Cosmos

Não é comum ver e ouvir o Obama introduzir a estreia de uma série televisiva. No entanto, fê-lo neste mês de Março a propósito da (re-)estreia de Cosmos, por um motivo provável que tento adivinhar: é uma série que faz falta. Como faz falta o seu criador original, Carl Sagan, pela forma peculiar como popularizou a ciência. Notem, não é fácil medir até que ponto se consegue isso de popularizar a ciência, mas criar uma série de divulgação científica com 9.3 no IMDB, à frente dos Sopranos e a meros três lugares do mais-que-pupular Game of Thrones, é uma razoável definição de muito. O Cosmos está de regresso, e como disse, faz falta. Faria em qualquer momento da história, mas talvez mais nesta estranha época em que vivemos, onde as concepções acerca da ciência tendem a resvalar entre um “ó investigador, vai trabalhar, pá” e “a investigação vive no conforto de estar longe da vida real”. 

 Vi com atenção o primeiro episódio. Foi bem engraçado! Um dos produtores-executivos da série é um tal o Seth MacFarlane, o mesmo que é criador do Family Guy e American Dad. Mas foi um engraçado diferente, com a graça não de fazer soltar uma gargalhada mas de colar a atenção nas questões que nos fazem sentir pequenos. Tratou principalmente de duas biografias: de Giordano Bruno e do Universo. A primeira, um hino à força das ideias, faz-nos recordar que as teorias que hoje tomamos como certas são também o fruto de martírios. Giordano Bruno foi condenado à morte pela heresia de propor a existência de outros planetas e por vulgarizar a importância do nosso Sol no universo. E depois, enquanto nos admiramos com ousadia de um só homem e quantdo quase nos convencemos da infinita coragem humana, a grandeza do Universo é-nos apresentada como um tónico contra a arrogância antropocentrista. Somos infinitamente pequenos e são infinitas as questões que temos por responder (e talvez infinitas as que nos faltam perguntar). Demasiadas, portanto, para desprezar a ciência. 

algures aqui

quarta-feira, 19 de março de 2014

Escrever para lembrar

Não é arriscado dizer que a escrita é uma extensão da memória. Nem sequer é original. O Dr. Juvenal Urbino d'O Amor nos Tempos de Cólera encarava o esquecimento que a idade traz com inúmeros apontamentos, perdidos pelos vários bolsos. Contra a decrepitude, uma forma de luta corajosa. Escrever para lembrar. O que não deixa de ser parecido ao acaso dos arqueólogos encontrarem mensagens dos primórdios da humanidade, significados que sobrevivem a qualquer outra lembrança. A escrita como início da história, a estender a própria existência. Escrever para lembrar.

Pode assim falar-se de uma folha em branco como anos perdidos. Em sentido inverso, a esperança média de vida de uma pessoa é um número incompleto, se lhe faltar somar o tempo que demoram as palavras. (Tenho inveja dos escritores, animais pagos para durar mais anos.) Tenho também um problema momentâneo, confesso que comecei a escrever tudo isto com um propósito bem interessante, mas esqueci-me do que ia dizer. Era qualquer coisa relacionada com esse livro, O Amor nos Tempos de Cólera, mas bem, fica para a próxima quarta.

segunda-feira, 10 de março de 2014

A altura em que só ouvi música pop.

Em termos musicais, nunca fui uma pessoa normal, se entendermos por normal ouvir aquilo que nos é dado pelas principais rádios nacionais. Sempre vivi entre os anos 60/70 e 2000 para a frente, nunca fui à bola com os grandes hits, nunca fui muito do mainstream (sim, pretensioso; mas factualmente correcto). Veja-se a RFM, que todos sabemos que pouco mais é do que uma mistura entre a Comercial e a M80. Um grande filão são os one hit wonders que toda a gente sabe de cor, provavelmente dos anos 80 e inícios de 90, de levar às lágrimas. Ontem, porém, era quase só pop. Levei com os ié-iés do Bruno Mars, com a gritaria da Alicia Keys (a gritar daquela maneira, ninguém duvida que está mesmo a arder), com a falta de tudo o que se possa achar música da Katy Perry (eu já tinha visto videoclips, e nunca reparei que aquilo era tão excruciante), com a Miley Cyrus a tentar demolir-me os tímpanos, com as boysband que se acham número um (One Direction, One Republic, mas zero de música) ou Anselmo Ralph, aquela pessoa que apenas tem uma coisa pior que as suas letras: o início dos seus videoclips. E para vocês, meus amigos amantes da MPB, até um assassinato em formato remix cometeram, tudo com a voz da Marisa Monte pelo meio.

Houve uma altura em que só ouvi música pop. Foram três horas muito longas, mas depois começou o relato do Sporting.