sábado, 17 de março de 2012

A hipótese Álvaro

Ele pode ter falta de jeito para a política (e o que é ter jeito? É ser como Sócrates? Como Durão? Como Cavaco?). Ele pode ser insuportavelmente ‘contentinho’, mas a minha verdadeira hipótese sobre Álvaro Santos Pereira é que lhe fez muita falta ser de uma confraria, de um clube, de uma academia do bacalhau, de um grupo da sueca ou ter morado na linha de Cascais. A pertença é essencial para um ministro que lida com o comum dos empresários portugueses. Porque o comum dos empresários portugueses, mais do que ter lucro, quer alguém que conheça o ministro que dá (ou pode dar) subsídios. Para tal, socorre-se da pequena rede, do “eu marco-te um jantar com ele”, do “eu sei perfeitamente quem é”, do “ainda é primo do tio Fulano”. Tivesse o Álvaro uma sólida carreira almoçarista e metade do que lhe aconteceu jamais lhe aconteceria.

Repare-se como a oposição, os jornais e os comentadores referem ad nauseam a sua vida no Canadá e o seu “profundo desconhecimento” de Portugal. Não há peça sobre o Álvaro onde tal não seja mencionado. As receitas académicas, dizem, não se aplicam por cá. Porque em Portugal tudo é diferente. No Canadá, quando há um problema complicado, dorme-se sobre o assunto; em Portugal almoça-se sobre o assunto. Eis toda uma diferença!

Depois, há o resto. O ministério grande de mais, a esperteza do aparelho do PSD, o supercontroleiro Gaspar — tudo aspetos que contribuíram para o desastre de Álvaro. Mas eis que aqueles azougados empresários, tão descontentes com o ministro da Economia, logo que perceberam que as decisões podiam passar para as Finanças, correram em socorro de Álvaro! É que, pior do que alguém que vem do Canadá e mal se conhece, é um contabilista que lhe dê para fazer contas aos investimentos!

O Álvaro lá ganhou o seu round e o seu direito a tocar na bola. Não porque subitamente ficasse melhor; apenas porque com Gaspar nem almoços há...

[Henrique Monteiro, Expresso, 10 de Março de 2012]

Sem comentários:

Enviar um comentário