segunda-feira, 12 de março de 2012

the meaning of life (IV)

Quando era pequena diziam-lhe a meio caminho entre o sério e o vão, tu vais ser costureira como a tua tia. É ingrato olhar para uma criança que brinca com meia dúzia de linhas e encontrar no cenário traços de um ganha pão. As pessoas crescidas são assim, a partir de certo estado são demasiado maduras para suportar a inocência, demasiado sérias para desvendar graça nos gestos simples e demasiado práticas para conceber a inconsequência. Não havia nada mais inocenete, simples e inconsequente do que a forma atabalhoada com que a Leonor estragava, rompia e cosia sem coser os vestidos da sua única boneca.

Hoje, sentada no canto da sala recordava esse tempo. Sabia como era ávida a sua tia, como ás vezes olhava para ela sem distinguir onde começava o pano e acabavam as suas mãos

- és de seda tia

e a tia gracejava. Lembrou-se que numa tarde ficaram sozinhas no sofá, caladas até que a coragem da Leonor perguntou, trabalhas tão rápido para ter mais tempo para brincar? A tia respondeu sem desviar os olhos da agulha, que não, que trabalhava rápido para ter mais tempo para trabalhar. Estava um calor abrasador essa tarde. A mãe foi buscá-la quase à noitinha. A essa altura, já a Leonor tinha entendido que a tia não era de seda, era carne, ossos e suor. Era feia, como as pessoas crescidas.

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