À saída pude ouvir uns zunidos 'o
livro é melhor'. Também o li nas redes sociais. Sem querer fazer
deste espaço um confessionário, confesso algo uma segunda vez, não
li o livro. Mas essa batalha entre livro e filme, na qual o primeiro
parece sempre sair vitorioso, é um lugar comum. Aconteceu com o
Harry Potter. Aconteceu com os anteriores Senhores dos Aneis.
Aconteceu até com o Grande Gatsby. Aconteceu com uma infinidade de
adaptações. O livro é quase sempre melhor.
Muitas vezes, também dou por mim a
achar os livros melhores. E pergunto-me acerca das razões disso
acontecer. Talvez se deva a uma ponta de soberba. Se o filme não for
um clássico, geralmente de língua francesa, com um fim em aberto e
de difícil interpretação, ler o livro é tido como
intelectualmente superior. Dizer que o livro é melhor passa então
por simplesmente assumir 'eu li o livro'.
Haverá outras razões bem mais
interessantes. O livro é subjectivo. Há na neurociência quem
assuma que o nosso pensamento se estrutura em termos de imagens. Já
o Aristóteles afirmava, 'é impossível pensar sem um phantasma',
sendo phantasma a representação que formamos acerca de um
objecto. Repito, a imagem que formamos. A imagem que cada um de nós
forma. O problema dos livros é terem palavras, e o problema das
palavras é não serem imagens. Duas pessoas face ao mesmo excerto
irão certamente conceber imagens mentais diferentes. A desilusão
acontece quando o cinema rouba a subjectividade às palavras.
Quando nos informa que, afinal, o Frodo tem as feições do Elijah
Wood. Essas informações são um conflito para todas as imagens em
que, cada um de nós, tinha traduzido as palavras que leu. Talvez por
isso nos sintamos desiludidos, talvez por isso o livro seja sempre
melhor. Afinal, fizemos das palavras aquilo que nos apeteceu e isso
foi-nos roubado.
(pior, o cinema suga a criatividade.
Por muito Senhor dos Anéis que futuramente venha a ler, o Frodo irá
sempre ter a fronha do Elijah Wood.)
Por outro lado, as imagens têm a sua
riqueza no detalhe. A sabedoria popular diz que uma imagem vale mais
do que mil palavras. Abusando deste significado, façamos as contas.
Um filme terá vinte e quatro frames (ou imagens) por segundo (o
Hobbit tem quarenta e oito, não é? ainda assim...). Se esse filme
durar cento e sessenta minutos, isso dá duzentas e trinta mil e
quatrocentas imagens. Claro que não são precisas duas mil palavras
para diferenciar duas imagens seguidas, mas como disse, abusemos de
significados: um filme iria necessitar mais de duzentas e trinta
milhões de palavras para ser completamente traduzido. Juntos, o
Antigo e o Novo Testamento possuem perto de oitocentas mil palavras.
Apenas um filme seria capaz de ocupar o espaço de quase trezentas
Bíblias.
Nestas contas haverá a sua ponta de
verdade: aposto que o Tolkien não conhece todos os termos
necessários para descrever uma paisagem da Nova Zelândia. Muitas
dessas palavras ainda nem foram inventadas.
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