Na escola primária multiplicam-se
composições com o tema 'o que é o Natal?'. Eu cá gosto do Natal.
O que não interessa para nada, convenhamos, a pergunta quer apenas
saber o que é o Natal e não o que eu acho acerca do Natal. Assumo
com humildade que não sei nada do que vai nas cabeças das outras
pessoas. Objectivamente, o Natal é a soma daquilo que todas as
pessoas pensam acerca do Natal. Por isso a resposta à pergunta o que
é o Natal é fácil: não sei. Talvez a professora tenha incorrido
no erro comum de deixar incompleta uma pergunta que se julga
subentendida: em composições vindouras, faça por adequar o
enunciado à exequibilidade.
Para mim, Europeu confesso, o Natal é
frio, neve, pinheiros, lojas enfeitadas, iluminação, nascimento de
Jesus. A um carioca, tirem o frio e a neve. A um etíope, tirem as
lojas enfeitadas, a iluminação. A um indígena pagão tirem o
nascimento de Jesus e ponham o solstício de Inverno. No meio disto,
fica a teimosia do pinheiro. De formas várias, há pinheiros em
todos os continentes, a árvore é uma praga. Professora, afinal sei
a resposta: o Natal são pinheiros (o Natal pode ser quando um homem
quiser somente pela evidência dos pinheiros serem árvores de folha
persistente).
No país do pequeno Carlitos, criança
reguila, aconteceu pois um episódio curioso. Por volta de Fevereiro,
os pinheiros começaram a murchar. Secaram e caíram sem causa
aparente. O pânico instalou-se, não por causa dos perigos que a
falta de pinheiros podem causar num ecossistema biológico, mas
porque nesse país deixaria de haver Natal. O conselho de ministros
reuniu-se em torno do ministro líder. Dias de negociação levaram à
arquitectura de um plano. Os pinheiros naturais tinham que ser
obrigatoriamente substituídos. Um apelo foi feito à nação, só um
aumento de impostos extraordinário poderia tornar exequível o
resgate do Natal. Foi referendada a pergunta, 'Deseja salvar o
Natal?'. O sim ganhou.
Todo o plástico que o país conseguia
produzir ou importar foi canalizado para a criação de pinheiros
artificiais. Criteriosamente, foram colocados onde antes se erguiam,
perdoem-me o abuso de linguagem, pinheiros de carne e osso. Por volta
de Novembro, já ninguém se lembrava do que era resina, pinhas a
cair ou o chilrear de pássaros em ninhos. O Natal estava salvo,
mesmo que agora não houvesse, naquele país, plástico ou dinheiro disponível
para as estrelas, bolas, e outros enfeites coloridos.
Por volta de Janeiro, sentado no
baloiço do parque da cidade, o pequeno Carlitos, criança reguila,
mastigava pastilha elástica enquanto brincava com o indicador dentro
do próprio nariz. Viu homens com químicos a aleijar os pinheiros.
Não compreendeu porque é que o faziam, sendo as árvores tão
bonitas e saudáveis. Meses mais tarde, quando os exemplares a fingir foram plantados, o
Carlitos achou prontamente que as pessoas que viu naquele dia eram
keynesianos vestidos de fato-de-macaco. Mas eram somente os funcionários da empresa de plástico
daquele país, alguns dos quais até ministros.
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