Bernardo tinha na sua carteira uma conselheira fiel. Quando ficou suficientemente vazia por um período de tempo suficiente, Bernardo ouviu dela o parecer: vai arranjar emprego. E foi. Na primeira entrevista vestiu o fato que adaptara do antigo traje académico. Chegou pontualmente à sede da empresa, rejeitou altivo o café que lhe ofereceram e entrou no gabinete que lhe indicaram. Passada meia hora de conversa com a responsável dos recursos humanos, foi alvejado com um “você não tem espírito empreendedor”.
O Bernardo aprendeu a ser persistente com as folhas do pinheiro bravo que avistava da minúscula janela do seu quarto alugado. Não desistiu. Dias depois, vestiu o mesmo fato e desta feita superou-se. Aguentou quarenta minutos antes de levar com um “desculpe, falta-lhe espírito de sacrifício”.
Claro que o Bernardo não desistiu por aqui, não vacilou nem perdeu convicção. Era um rapaz duro. Aprendeu-o com o mesmo pinheiro, o qual se mantinha inerte fosse qual fosse a voracidade do vento. Na terça-feira seguinte, voltou a uma entrevista. Aí levou uma lição que faria cair a auto-estima de qualquer um. Disseram-lhe, apenas vinte minutos volvidos, “não tens espírito crítico”.
Vestiu o mesmo fato e foi à quarta entrevista. Despacharam-no a dizer que não revelava espírito de grupo e entreajuda. Sentiu-se diminuído na sua própria lucidez, por não entender como lhe haviam avaliado o espírito de grupo, se a entrevista era individual.
Foi a machadada final. Não em si próprio, note-se, machadada final no pinheiro bravo que avistava da minúscula janela do seu quarto alugado. As próximas lições da velha árvore seriam de música, usando o som do seu próprio crepitar numa lareira de Inverno. Bernardo, esse contornou o seu fado. Cobriu-se de latas e pendurou-se num canto do seu quarto. Por ali ficaria a servir de espanta-espíritos.