sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A Gabi

Acho que só conseguimos ter clareza de análise quando nos afastamos o suficiente do objecto de estudo. Quanto maior a proximidade, menor a capacidade de detectar os enviesamentos naturais do processo.

Quando nos propusemos parir novamente A Mentira, com outros envolvidos na orgia, fiz um exercício de análise da minha contribuição passada para o acto. Que já ia longe. E com alguma clareza (acho), denotei duas coisas que me irritaram:

- Escrevo de forma excessivamente complicada;
- Não sei escrever em diálogo, embora estruture linhas de acção me posicionando (quase) sempre na óptica de interacção entre os sujeitos.

Isto serviu apenas para explicar a todos os nossos 3 leitores que resolvi realizar uma experiência nesta minha primeira página do novo capítulo d'A Mentira. Resolvi escrever simples (sem revisão posterior) e em diálogo. Mais ainda: como a minha inspiração veio de terras de Vera Cruz, até resolvi apoderar-me do dialecto. Não estou decepcionado com o resultado: ficou uma merda, tal como eu esperava.

Mas estou cheio de pressa, por isso vai ter que ficar mesmo assim.

Bem vindos, Luis e André. Não se intimidem com o Fernando.

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Ela suspira na porta da psicóloga. Bate, e entra.

- Bom dia Gabi! Tudo bom? Tudo óptimo. Vamos entrando. Gosta do bordeaux no divã? Lindo não é? Mandei estofar. Estava cheia daquele castanho sem graça. Às vezes precisamos de dar uma mudada em nossas vidas não é? Bordeaux é bom. Bordeaux é quente. Senta, senta. Bom não é?
- O quê?
- Ótimo! Ótimo. Vamos conversar então Gabi. Como correu essa última semana? Faculdade? Amigos? Namorado? A gracinha da sua cachorrinha? Nossa, ela é tão fofa. Qual o nome dela mesmo?
- Zaha…
- Isso! A Arquiteta famosa não é? Confundo sempre com Zoey, não sei porquê. Mas adiante. Me conte que eu quero saber tudo. Tudo certo lá em casa? Conseguiu resolver seus atritos com seu primo gordo?
- Eu nunca tive nenhum problema com o meu primo…
- Todo mundo tem problemas Gabi. E como tem problemas... (Ela respira fundo, e continua) Eu, por exemplo, estou cheia de problemas. Você acredita que ontem o desgraçado do Fernando me chega em casa às dez e meia da noite com um cheiro que parecia que tinha tomado banho num jacuzzi de cerveja? Nossa, eu fiquei puta. Chutei o Pedrinho para o quarto, peguei a porra daquele toca discos que ele adora e joguei da janela.
- Você jogou um toca discos da janela?
- Claro que joguei. Para ver se aquele desalmado aprende a me respeitar. Sorte que acertei no carro dele, imagina só se caia no carro do vizinho?
(Ela ri, levanta, e senta na ponta do divã, ao lado da Gabi)
- Espera. Você não me disse na semana passada que o Fernando comentou que teria um jantar da empresa… ontem?
- E você acha que isso agora é assim Gabi? Um comentário é um livre passe de putaria? Fernando, fui ali fazer uma massagem na nádega esquerda do vizinho. O quê? Como assim você se incomoda? Eu comentei com você Fernando…
- Você está exagerando…
- Exagerando o caralho! Desculpe. Eu fico estressada com isso, você sabe. Deixa eu deitar aqui um minutinho. Senta ali na cadeira por favor. Isso. Ótimo. Nossa, como eu adoro este divã. Tem vezes que eu me tranco nesta sala o dia inteiro, aqui, deitada, ouvindo Coltrane, e pensando em todos estes problemas. Eu tenho medo Gabi, me sinto insegura. Minha relação com o Fernando está estranha. Eu sinto que está estranha. Já não tem flores e já não tem massagem no sofá. Não tem jantar surpresa no domingo, não tem aqueles carinhos safados na sauna lá do clube. Já não tem porra nenhuma. Vou ficar sozinha.
- Você sempre me disse que deveria ter mais confiança em mim mesma…
- Pode parar Gabi. Não me vem com esse papo de psicóloga barata. Eu estou falando de problemas reais. Eu não sei mais o que fazer. (Ela suspira e olha para o teto). É complicado não é?
- É…
- Mas então, vamos parar com essa deprimência e falar de seus problemas. É por isso que você vem aqui. Me conte que eu quero saber tudo!
- Pois é… mas eu estou ótima. Não tenho problema nenhum para conversarmos.
- Como assim? Claro que tem.
- Não tenho não. Está tudo perfeito. Em casa, na faculdade, com meu namorado. Tudo ótimo. Eu andei pensando, e acho que chegou a hora de… sei lá… de repente a gente terminar o meu tratamento…
- Gabi, eu te conheço. Pode falar comigo. O que está acontecendo lá em casa? É seu irmão de novo?
- Não está acontecendo nada lá em casa…
- E em Búzios? Como foi seu final de semana em Búzios?
- Búzios? Eu fiquei no Rio no final de semana.
- Haha! Está vendo? Eu sabia que tinha alguma coisa errada. Eu vi as fotos no Face do seu namorado, curtindo aquele sol na praia de Geribá, tomando cerveja com todas aquelas meninas bonitonas. E você no Rio. Sozinha. Vai me dizer que você não ficou incomodada com isso? Vai me dizer que não doeu por dentro?
- A gente conversou. Não teve nada de errado. Eu tinha prova. Não estou entendo esse negócio de você ficar vendo fotos no Face…
- Claro que você não está entendo Gabi. Se você estivesse entendo não estaria em negação. Quem sabe já teria jogado um toca discos da janela também, quem sabe!? Você tem que expulsar essa raiva, essa angustia. Isso não faz bem para você.
- Clara, essa sua loucura está se transformando num problema…
(Num sobressalto ela senta novamente no cantinho do divã)
- Está vendo como você também tem problemas! Vamos conversar sobre isso?

4 comentários:

  1. Este texto faz sentido: qual é o sentido de uma mulher que ouve Coltrane estar casada com um homem chamado Fernando?

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    1. O meu comentário também não faz sentido, porque me faltou o não ali entre a segunda e a terceira palavra.

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  2. estavas tao bebedo quando escreveste isto..

    F. Santos

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  3. Gostei bastante, influenciado porque conheço os personagens. Mas zé.. ainda misturas o Português do Brasil com o Português de Portugal.

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