segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ser ou não ser uma bailarina, eis a questão.


Antes de mais, e eu sei que não ganhei nenhum Oscar, queria agradecer ao Felipe, um velho amigo de quem a vida me foi afastando e que me convidou para vir para aqui, para perto dele, escrever. Depois, ao Felipe e ao Fernando, em conjunto, por escreverem como escrevem. Sempre li A Mentira, fui comentando alguns posts a espaços, e pouco mais. Agora, vou começar a minha participação por aqui falando-vos de um filme. Frances Ha, um filme recente, a preto e branco, é o escolhido.

O filme gira à volta de uma jovem, Frances, que quer ser bailarina em Nova Iorque. Vive com uma amiga, como se fossem "um casal de lésbicas, mas sem sexo", sendo elas "a mesma pessoa, com cabelos diferentes". Frances tem vinte e sete anos, mas "parece mais velha, mas menos madura, é estranho". Tem um problema (ou vários, mas comecemos por aqui): não sabe realmente dançar. E passa a ter outro quando a melhor amiga sai de casa, e ela fica sem talento e sem tecto. Vai viver com dois jovens artistas judeus, portanto ricos e de boas famílias (só os judeus ricos podem ter a ambição de ser artistas judeus), que partilham do seu humor depressivo. Também daí tem de sair, quando o sonho de ser bailarina profissional começa a ruir.

Frances é uma pessoa boa, mas a quem o mundo não parece interessado em recompensar, tirando-lhe as coisas de que gosta do caminho. Não é pródiga em amigos (e os que tem não são os melhores do mundo), é "undatable" e "alta demais para casar". É esquisita e desengonçada e tem tudo menos a subtileza de uma bailarina. É caótica e desarrumada, no quarto como nas ideias. Come de boca aberta, corre de maneira estranha, e consegue ser adorável a fazê-lo. Anda perdida durante o filme todo, perdida entre amizades e trabalhos. Perdida no presente, perdida sobre o que quer no futuro. Perdida como milhares de jovens em Portugal, que quando terminam a sua infância, ou a sua juventude, se preferirem, se perdem num infinito de possibilidades daquilo que a vida pode ser. Quando a opção sobre o rumo da vida lhes cai nas mãos, a maioria não sabe o que quer. Uns querem ser bailarinas e têm tanto jeito e sucesso como a Frances. Outros querem ser bailarinas e não têm a coragem da Frances, e acabam como advogados ou economistas, geralmente com um sucesso muito moderado. Outros, poucos, querem ser bailarinas e tornam-se bailarinas. Para estes o mundo é bom, mas geralmente é só para estes.

É impossível não nos lembrarmos de Woody Allen ao ver o filme, e isto é um elogio. No fundo, é um grande filme, de um grande realizador e protagonizado por uma grande actriz, sobre as dificuldades de uma jovem em ajustar aquilo que ela quer àquilo que o mundo lhe pode dar. Um filme sobre as pessoas de carne e osso e sobre um período crítico (umas vezes de sonho, outras vezes brutal) na vida de uma pessoa. Sobre o período em que alguém se torna, realmente, uma pessoa a sério, sem ajudas de pais nem mães (ou pelo menos é assim que seria suposto ser). Sobre o momento em que se abrem as portas gaiola, e se pode voar para onde quiser, ou ficar no mesmo sítio. Se gostam de filmes sem efeitos especiais ou tiros e mortes, deliciem-se com este filme. Caso contrário, não vale a pena perderem o pouquíssimo tempo que o filme dura (menos de uma hora e meia de um filme em que não há uma única cena a mais) e vejam o Thor, que não parece mau.



Nota: Eu, como a Frances, sou um espírito um bocado perdido entre sonhos e a realidade. Não vos obrigo, mas se quiserem podem ler-me também aqui e aqui, em registos bem diferentes.

2 comentários:

  1. Hoje li uma crítica a outro filme, em que se dizia que era um filme de "come of age". Pronto, é isto o Frances Ha. A simplicidade tornou o meu post longo obsoleto.

    ResponderEliminar
  2. nem sabia que "come of age" era mesmo tipo de filme! http://en.wikipedia.org/wiki/Category:Coming-of-age_films

    assim, come of age descreve tantos tantos filmes, que o teu post é tudo menos obsoleto!

    ResponderEliminar