Despreocupadas e sentadas num banco de
jardim, as duas amigas conversavam com tempo. O diálogo perdia-se em
profundidade. Era coisa que de alguns meses a esta parte lhes causava
desconforto: notar que nas suas vidas os temas verdadeiramente
interessantes só lhes ocupam o pensar nas alturas despreocupadas. Às
tantas ter os pés bem assentes na terra faz esquecer o lugar da
cabeça.
- mas afinal o que é que nos move? -
perguntava Anita. Os carros, as pernas, as bicicletas e os aviões,
as leis da física, literal e obviamente. Mas o mover que acontece
antes do mexer. O que nos move? O que nos move para acordar de manhã
e não desejar viver dentro de uma incubadora capaz de somente nos
deixar existir? Move-nos o trabalho? E o que nos move para trabalhar?
Trabalhamos para nos podermos mover? Movem-nos os sentidos que não
mais são do que mecanismos de sobrevivência?
- é a dúvida Anita. A dúvida
move-nos a cada dia. Não sabes nada, não te conheces a ti própria.
Tens uma consciência sem idade, nem sabes se mais velha ou nova do
que tu. Não há certezas escritas sobre o amanhã e sobre o ontem
nem podes distinguir o credível do verdadeiro. É a dúvida que te
move. Não sabes quem és.
- Talvez. Mas às vezes acho que isso é
um incómodo. Tanta dúvida. Queria que existisse uma
espécie de bar. Único no país, por isso chamado Singular. A festa
de inauguração seria anunciada nas redes sociais, e eu haveria de me
aprontar horas antes da hora de abertura divulgada. Ali, à espera,
no inicio da fila. Abrem as portas e o interior vazio enche-me de
certeza. Penso 'quem sou eu?' e grito 'eu sou a primeira pessoa do
Singular.' Sei a resposta mais importante e estou certa, vês?
Depois disso vou continuar a mover-me?
- Claro, já que estás num bar ouve
música e aproveita para dançar.
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