Fui ter com ela pelo escuro. Ia rompendo o som do silêncio a
cada passo, a rua estreitava à medida que escurecia. Os candeeiros de rua iam
desaparecendo como oásis esquivos, deixando a iluminação às televisões que iam
colorindo o ar, luz filtrada por janelas e estores rotos. Um passo, uma mirada
para os lados, outro passo, outra vistoria às redondezas. Vinha na minha
direcção um homem para me fazer mal, lá longe. Via-o negro, sem rosto, só casaco e capuz
em corpo pequeno e maciço. Segui em frente, movido apenas pelo embaraço que
seria voltar para trás. Senti uma gota a fugir-me da têmpora para o rosto, não
sei dizer se seria suor ou uma das espaçadas gotas de chuva que o céu ia
largando. Engoli em seco, baixei o olhar, apressei instintivamente o passo para
evitar que o cruzamento se prolongasse, que palavras fossem ditas, mercadorias trocadas. Trazia a mão estendida para a frente, num passo
também ele cada vez mais rápido, e eu imaginei facas e pistolas e armas de todo
o tipo, imaginei todos os adereços comuns à vilanagem e outros só comuns na
minha imaginação. Outra gota, na outra têmpora, para outra dúvida. O silêncio
já tinha cessado para dar origem a um som de animal arfante que eu não dava
conta ser. Só me ouvia o barulho, não sentia estar a fazê-lo. O encontro estava
cada vez mais perto, era agora inevitável. Se falar para mim eu corro, se falar
para mim eu corro, se falar para mim eu
- Boa noite.
e eu só quando comecei a correr lhe vi as pantufas rosas e o
cão minúsculo que me perseguiu por dois metros a respirar pesadamente. Não
tinha ponderado ouvir uma voz de mulher.
Sem comentários:
Enviar um comentário